Epifania: os Reis Magos, a Estrela, a Catedral

Na Alemanha, uma construção milenar na cidade de Köln (Colônia) guarda relíquias dos Reis Magos.

Você pode estar se perguntando: “Como assim, relíquias dos Reis Magos?” porque talvez pensemos neles mais como personagens do Presépio! Mas, sim, eles existiram!

A Catedral de Köln
A Catedral de Colônia, Alemanha

Talvez a dúvida não pare por aí: “Tudo bem, claro, eles existiram mesmo e temos essas relíquias. Mas… como assim, elas estão na Alemanha?”

É uma história com muitos detalhes, então vamos por partes!

Os Magos do Oriente

A passagem do capítulo 2 do Evangelho segundo São Mateus diz:

Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do oriente a Jerusalém.

O nome “mago” era sinônimo de “sábio”. Sem dúvida, seu caráter de “magos”, reconhecido pelo Evangelho de São Mateus, aponta para a área da civilização caldeia. Com a decadência moral, os “magos” caldeus viraram uma espécie de bruxos, divulgadores de toda espécie de superstições. Estes magos teriam sido os últimos sacerdotes honrados daquele mundo pagão que aspiravam sinceramente conhecer o Salvador.

São Beda, o Venerável, em meados do século V, foi o primeiro a escrever o nome dos magos, no seu tratado Excerpta et Colletanea, em que registrou as tradições que chegaram até ele:

“Melquior era velho de setenta anos, de cabelos e barbas brancas, tendo partido de Ur, terra dos Caldeus. Gaspar era moço, de vinte anos, robusto e partira de uma distante região montanhosa, perto do Mar Cáspio. E Baltasar era mouro, de barba cerrada e com quarenta anos, partira do Golfo Pérsico, na Arábia Feliz”.

Os nomes colhidos pelo Doutor da Igreja têm significados precisos: Gaspar significa “aquele que vai inspecionar”; Melquior quer dizer: “Meu Rei é Luz”, e Baltasar se traduz por “Deus manifesta o Rei”.

Como interpretam São Beda e os demais Doutores da Igreja que falaram sobre os magos, os três representavam as três raças humanas existentes, em idades diferentes. Neste sentido, eles representavam os reis e os povos de todo o mundo. Alguns especularam que talvez pelo menos um deles veio da terra de Shir, na antiga China!

Não há qualquer menção bíblica afirmando que esses magos eram reis: essa é mais uma informação que nos chega pela tradição e piedade popular. Sabe-se que na Antiguidade os patriarcas, ou chefes de grandes clãs, ou grupos étnico-culturais, governavam com poderes próprios de um rei, sem terem esse título ou equivalente. Seu reinado se concentrava sobre seu grupo, ainda que nômade. Considerando os presentes que ofereceram a Jesus, e o fato de que em Jerusalém foram logo se apresentar à maior autoridade, pode-se aceitar a noção de que detinham certa autoridade, daí chamá-los de reis.

Ouro, incenso e mirra
Ouro, incenso e mirra

Assim, Melquior deu ouro ao Menino Jesus, um presente reservado aos reis. Gaspar ofereceu-Lhe incenso, em reconhecimento da divindade. Baltasar ofertou mirra, em reconhecimento da sua humanidade. Como a mirra é símbolo de sofrimento, vêem-se nela preanunciadas as dores da Paixão redentora. A mirra era presente para um profeta. Era usada para embalsamar corpos e representava simbolicamente a imortalidade. Desta maneira, temos o Menino Jesus reconhecido como Rei, Deus e Profeta pelos personagens que encarnavam toda a humanidade.

Por tudo isso, a chegada dos Reis Magos é interpretada como o cumprimento da profecia de Davi: “Os reis de Társis e das ilhas lhe trarão presentes, os reis da Arábia e de Sabá oferecer-lhe-ão seus dons. Todos os reis hão de adorá-lo, hão de servi-lo todas as nações”. (Sl. 71, 10-11)

A Estrela

Deus às vezes faz com que coisas naturais realizem coisas extraordinárias. Jerusalém estava adormecida e tranquila quando chegam uns magos do oriente e perguntam:

Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo.

Quando uma pessoa se deixa guiar por um sonho, quem a conhece não deixa de pensar que ela tem uma certa medida de loucura. Esses magos do oriente foram além: seguiram uma estrela!

O que movia esses magos, para seguirem uma estrela tão certos de seu significado? E que estrela era essa?

Segundo tradição piedosa, uma estrela indicaria o cumprimento da promessa feita a Adão
Segundo tradição piedosa, uma estrela indicaria o cumprimento da promessa feita a Adão

Um apócrifo antigo sugere uma explicação: Set, terceiro filho de Adão, transmitiu uma profecia, talvez recebida de seu pai, de que uma estrela apareceria para sinalizar o nascimento de Deus encarnado num homem. Gerações de magos, teriam aguardado fielmente durante milênios até a estrela aparecer. Quem leu o livro Médico de Homens e de Almas, da escritora Taylor Caldwell, que relata a história de São Lucas segundo tradições orientais, conhece uma versão dessa piedosa história.

O seguimento da Estrela de Belém traduz concretamente a piedade fiel dos magos. São Tomás de Aquino diz: “Os Magos foram as primícias dos gentios que acreditaram em Cristo. E neles se manifestou, como um presságio, a fé e a devoção das gentes que vieram a Cristo das mais remotas regiões”.

Voltando à estrela, precisamos nos lembrar que os magos eram sábios, isto é: estudiosos. Conheciam os astros, estudavam seus movimentos e interpretavam os fenômenos celestes .

Para os astrólogos judeus, o Messias viria por ocasião de uma conjunção de Saturno e Júpiter na constelação dos Peixes. Em 1925, o assiriólogo alemão Paul Schnabel decifrou as anotações cuneiformes da escola astrológica de Sippar, na Babilônia. Nelas encontrou uma nota sobre a conjunção de Júpiter e Saturno cuidadosamente registrada durante cinco meses no ano 7 antes do nascimento de Cristo!

Para os caldeus, Peixes representava o Ocidente e para a tradição judaica, simbolizava Israel e o Messias. Júpiter foi considerado por todos os povos e em todos os tempos a estrela da sorte e da realeza.

Segundo a velha tradição judaica, Saturno deveria proteger Israel; Tácito comparava-o ao Deus dos judeus. A astrologia babilônia considerava o planeta dos anéis como astro especial das vizinhas Síria e Palestina.

Uma aproximação esplendorosa de Júpiter com Saturno, protetor de Israel, na constelação do “Ocidente”, do Messias, significava o aparecimento de um rei poderoso no Ocidente, na terra de Israel. E esse foi o motivo da viagem dos magos do Oriente, conhecedores das estrelas!

Júpiter, Vênus e a Lua, em conjunção em 2015: uma versão de como teria sido a Estrela de Belém
Júpiter, Vênus e a Lua, em conjunção em 2015: uma versão de como teria sido a Estrela de Belém

Assim como eles podiam prever os futuros eclipses do Sol e da Lua, ao verificarem a primeira conjunção souberam prever com exatidão a data da conjunção seguinte: o 3 de outubro, data da festa judaica da propiciação. Os magos devem ter entrado em Jerusalém em fins de novembro.

Herodes mandou chamar os magos “e enviou-os a Belém”. Como em 4 de dezembro Júpiter e Saturno se reuniram pela terceira vez na constelação de Peixes, eles “…ficaram possuídos de grandíssima alegria” e partiram para Belém, “e eis que a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles”.

O astrônomo Mark Thompson, membro da Royal Astronomical Society de Londres, sugere que três conjunções de Júpiter e Regulus (a estrela mais brilhante da constelação de Leão), tiveram lugar em 14 de setembro do ano 3 a.C., em 17 de fevereiro e em 8 de maio do ano 2 d.C.

Embora sejam estudos ainda sem uma conclusão final, o fato histórico essencial é que a Estrela de Belém existiu: bela e esplendorosa, apontando para o local onde o Salvador do mundo haveria de nascer.

As relíquias

Relicário dos Reis Magos na Catedral de Colônia, Alemanha
Relicário dos Reis Magos na Catedral de Colônia, Alemanha

O que aconteceu com os Reis Magos, depois de terem encontrado Jesus? De acordo com uma tradição acolhida por São João Crisóstomo, Padre da Igreja, os três Reis Magos foram posteriormente batizados pelo Apóstolo São Tomé e trabalharam muito pela expansão da fé.

Suas relíquias foram descobertas na Pérsia pela imperatriz Santa Helena e levadas a Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente.

Três séculos depois, o então Bispo de Milão, São Eustorgio, viajou a Constantinopla para que o imperador aceitasse a sua nomeação episcopal e este lhe deu de presente as relíquias dos três Reis que retornaram com ele à cidade italiana.

Quando o imperador Barbarossa sitiou Milão, o Arcebispo de Colônia, Rainald von Dassel, descobriu que uma igreja milanesa custodiava as relíquias. A abadessa deste convento era irmã do prefeito da cidade e prometeu dar as relíquias a Von Dassel em troca de proteger a vida de seu irmão da fúria do imperador.

Por isso, depois do ataque à cidade, o Arcebispo de Colônia só pediu uma recompensa ao imperador: que permitisse que a abadessa abandonasse a cidade de Milão com tudo aquilo que pudesse carregar sobre seus ombros. O imperador se enfureceu quando percebeu que o que ela tinha levado sobre suas costas era o seu irmão! A abadessa cumpriu com a sua parte do trato e desta forma as relíquias dos Reis Magos chegaram a Colônia.

As relíquias foram introduzidas na Catedral de Colônia em 23 de julho de 1164 e vários artistas trabalharam nas peças que ornamentam sua urna.

Quando do bombardeamento de Colônia na II Guerra Mundial, somente a Catedral permaneceu intocada. Ela continua sendo um magnífico relicário de pedra para os restos mortais daqueles que, fiéis na espera do cumprimento de uma promessa, seguiram uma estrela!

Referências:

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